Esse Lions ridículo

Tenho um amigo do tipo intelectual, com o qual, além da velha amizade, possuo muita coisa em comum. Sobretudo o hábito das discussões intermináveis, nas quais salvamos a pátria, provamos que todos os demais estão errados e resolvemos os problemas do mundo, inclusive os últimos, relacionados com a inflação e a alta do petróleo. Ele, possuidor, de fato de sólida, cultura geral e de boas tintas de economia e finanças, é porém, do tipo que se costuma apelidar de "Professor de Deus": Além de pretencioso sabedor de tudo, sua opinião é sempre a mais abalizada e definitiva. Depois dele, só o Papa, se o assunto for religião.

Em viagem com esse amigo, entramos, outro dia, num restaurante próximo a uma de nossas boas cidades de nossa região. Era noite, a fome mais negra ainda, e um churrasco, com ou sem discussão, nossa meta prioritária.

Logo de cara, notei que o Lions Clube da cidade iria reunir-se ali na churrascaria, aquela noite. Mas, meu problema era um espeto com carne e não o Lions, mesmo porque eu já conhecia o ponto de vista de meu amigo "sabe-tudo" sobre os clubes de serviço e, especialmente, os clubes do Lions: "Um ridículo! Uns homens velhos ou, pelo menos respeitáveis, cantando o Hino à Bandeira como se fossem escolares na segunda infância; com o peito cheio de brochinhos; dizendo-se Leões como se não passassem de animais selvagens e xingando as esposas de domadoras... Ridículo!".

Eu já tivera um "pega" com ele, no dia em que um Governador de Distrito veio a nossa cidade, por isso fiz questão de ignorar aquela reunião, onde aliás não vi conhecido algum que me pudesse identificar como leões em mangas de camisa. Mas, a reunião começou e eu que estava ali, de lado, para beber e não conversar, absorvi-me na atenção dos assuntos então discutidos: o Lions entregara à Santa Casa de Misericórdia quize mil reais para equipar o ambulatório infantil recém - inaugurado.

O Lions distribuíra material escolar, no valor de três mil reais, a três Escolas de bairros daquela cidade. O Lions atendera, no seu Banco de Olhos, a setenta e cinco paciente pobres. O Lions encaminhara a uma Clínica de Olhos um estudante pobre, o qual já quase não enxergava, para ser operado, e os médicos já se haviam comprometido a nada cobrar pela cirurgia, porque eram companheiros Leões dedicados à mesma causa.

E o Lions comprou aquela cadeira de rodas para aquele vendedor de bilhetes, sem pernas. E o Lions estava aguardando a aprovação da plantada Creche a ser construída no terreno já doado pela Prefeitura.

E O Lions havia contribuído com dez mil reais para a campanha da construção da sede própria da APAE, cuja pedra fundamental havia sido lançada no domingo anterior. E as Domadoras haviam confeccionado cinqüenta enxovais de bebê, para distribuições às mães solteiras, em colaboração com a Creche local. E as Domadoras tinham cinco mil reais em caixa, para o Natal da criança pobre, com a promessa de uma fábrica de brinquedos de conceder vinte por cento de desconto, se a compra fosse feita até o dia 1o. de novembro.

A esta altura, o churrasco já havia acabado e o meu amigo quebrou o silêncio, perguntando: "Como é que os Leões arranjam dinheiro para tanta coisa?"

E eu lhe respondi: cantando o Hino à Bandeira e sendo profundamente ridículos...

O "sabe-tudo" compreendeu e, calou-se. Foi essa, aliás, a primeira vez em que ele não disse a última palavra de sabedoria humana, numa conversa comigo.

Apresentada por: CL Fernando B Tangerino Hernandez e CL Reginaldo de Almeida
Data: 23/10/2001